Hoje é o dia em que a rádio deve ser rainha. Por muitas evoluções tecnológicas que aconteceram e vão acontecer, a rádio continua viva, a informar e a entreter os ouvintes. Vozes que saem quase por magia do altifalante e que despertam a imaginação de quem ouve. Como está vestido o locutor ou se a jornalista usa óculos, ou que expressões faciais revela o comentador desporto enquanto o colega relata o jogo de futebol, não sabemos. Toda a comunicação, ao contrário do que sucede com a televisão ou as redes sociais, se concentra exclusivamente no sentido da audição. Esta simplicidade é um dos segredos do sucesso da rádio: o ouvinte pode estar a viajar, pode estar a trabalhar, pode estar a descansar, não importa; as mãos e os olhos podem estar ocupados com outras coisas, porém os ouvidos estão ocupados com uma voz agradável que diz coisas interessantes e que anuncia boa música.
Dir-me-ão que na era do Spotify e dos podcasts a rádio perde relevância. Contudo, eu discordo. A rádio tem a capacidade de se adaptar a novos tempos e novos desafios. E, de forma muito diferente dos serviços de streaming de música, a rádio não tem de ser uma "máquina" de debitar músicas pela ordem que o ouvinte quer ouvir. A rádio pode e deve ter animadores que têm conversas interessantes antes e depois das músicas, e até com os ouvintes. Os programas de discos pedidos que ainda existem, felizmente, nalgumas rádios locais , ainda têm ouvintes. Também o desporto, sem a imagem, ao contrário da televisão, ganha com a capacidade dos relatadores de descrever por palavras o que os olhos dos ouvintes não podem ver.
A rádio também é jornalismo. Contrastando com as redes sociais, em que qualquer pessoa pode publicar notícias desprovidas de qualquer critério e de exigência, não estando sujeitas à investigação dos factos e a um certo cuidado na forma de abordar os assuntos em causa, na rádio os jornalistas são obrigados a cumprir regras deontológicas e a saber processar e transmitir verbalmente a informação de uma forma clara, fácil de entender pelos ouvintes, mas sem perder o rigor e a isenção. As redes sociais são rápidas a espalhar informação, mas nem sempre essa informação tem o mínimo de qualidade - e pior: pode estar contaminada no sentido no sentido de levar os utilizadores a acreditar nas ideias mais abjectas que não respeitam os valores fundamentais da sociedade em que vivemos, sem que os autores dessas notícias, ao contrário dos jornalistas, possam ser responsabilizados pela forma como o conteúdo foi transmitido e até pela possibilidade de falta de veracidade do mesmo.
Este Dia Mundial da Rádio de 2023 tem um significado especial, quando o mundo viu no último ano pelo menos duas grandes tragédias onde a rádio continua a ser muito útil para as populações. Há praticamente um ano, a Rússia invadiu regiões da Ucrânia, alimentando uma guerra contra a soberania do país e, sobretudo, contra o povo ucraniano. Provocando ao máximo estragos nas infra-estruturas ucranianas e cometendo os mais bárbaros crimes de guerra, a Rússia priva milhões de ucranianos do acesso a energia eléctrica, destrói antenas de telecomunicações e faz de tudo para aniquilar o país liderado por Zelensky. Apesar de todas as contingências, a rádio ucraniana faz o que pode para se fazer ouvir em todo o país, informando as populações do que está a acontecer. E se a rádio é feita no país para o país, também há rádios internacionais que, felizmente, emitem na Onda Curta em russo para informar os russos e os russófonos do que se passa no território ucraniano e no mundo. Com um simples rádio de pilhas ou com bateria, que até pode ser carregada através da energia solar ou rodando uma manivela, os ucranianos podem, mesmo que os seus smartphones percam a rede e passem a ser pouco mais do que uma calculadora com câmara, sintonizar uma estação de rádio e ficar a par do que está a acontecer na sua rua, na sua cidade, no seu país.
Há poucos dias, ocorreu um terrível sismo na Turquia e na Síria, matando milhares de pessoas e destruindo inúmeras casas. Muitas pessoas isoladas nas suas casas ou no que resta delas, ou que se refugiaram na rua. Sem electricidade, provavelmente com antenas das redes móveis destruídas, é a rádio que consegue chegar a essas pessoas, prestando informações vitais. É nas grandes tragédias que a simplicidade da rádio é uma enorme vantagem para as populações. A electricidade pode ser cortada, as redes móveis podem falhar, mas a rádio, assim haja gerador no centro emissor e nos estúdios e equipamento mínimo para funcionar, consegue continuar a informar quem a ouve.
A rádio tem futuro? Sim, tem futuro, assim saiba não cair no erro de querer ser um computador a tocar música sem intervenção humana. Acima de tudo, o futuro da rádio, por maioria de razão numa altura em que existem milhões de serviços Internet, tem de passar pela qualidade dos conteúdos. Ter programas que despertem o interesse do auditório. Criar conteúdos criativos mas que sejam agradáveis de ouvir e que tragam algo de novo para quem sintoniza. Por mais tecnologia que exista, e como escreveu Antoine de Saint-Exupéry, "o essencial é invisível aos olhos". Contudo, acrescento eu, é invisível aos olhos mas audível aos ouvidos.
Por falar em coisas invisíveis, não termino sem antes agradecer a todos os profissionais das mais variadas estações que todos os dias dão o seu melhor ao microfone para fazer com que os ouvintes gostem de os ouvir. E, longe do microfone, há muitos profissionais cuja voz não ouvimos mas que são fundamentais para o funcionamento da rádio. Técnicos nos estúdios para fazer com que a emissão decorra sem problemas. Gostaria especialmente de destacar, não desfazendo nos demais, aqueles técnicos dos quais praticamente ninguém se lembra. Pessoas que viajam centenas de quilómetros, uns dias com sol, outros dias com chuva, outros com neve a cair, para subirem ao alto da serra e subirem à torre para reparar a antena avariada, no intuito de fazer com que a emissão chegue nas melhores condições aos ouvintes. Autênticos paramédicos da rádio, aos quais há que agradecer o profissionalismo e a coragem de realizar um trabalho difícil mas necessário. A todos, o meu muito obrigado! E, aos demais profissionais, renovo o agradecimento por fazerem com que a rádio continue a merecer ser ouvida em 2023. Viva a rádio!