Quando um realizador de um programa de rádio convida uma ou mais pessoas a participar no seu programa, fá-lo na expectativa que tudo vai correr bem e que não haverá incidentes de maior a registar. Assume que os convidados sabem manter o nível de qualidade e civismo exigído ao programa.
Todavia, por vezes, o maior factor de risco é(são) o(s) próprio(s) convidado(s).
Os últimos dois programas do Provedor do Ouvinte da RTP (à hora a que escrevo, ainda não disponíveis em "podcast" no sítio da rádio pública) abordam precisamente duas situações em que um profissional de rádio desprevenido tem de lidar com comportamentos inadequados por parte de quem aceita participar no programa.
Limitando-me à simples perspectiva de ouvinte, apresento o meu ponto de vista acerca das práticas que deveriam de todo ser evitadas sempre que alguém colabora num programa ou participa num evento transmitido na rádio. Assim, destaco três atitudes que jamais deveriam ser adoptadas por quem fala aos microfones de uma rádio:
Utilizar linguagem obscena, ainda que devidamente contextualizada
Raquel Bulha, realizadora do programa "A Hora do Sexo", transmitida na 3, foi convidada da "Prova Oral" do passado dia 24 de Abril . O programa estava a ser interessante até ao final, altura em que a realizadora achou por bem cantar uma música brasileira utilizada nas campanhas a favor do uso do preservativo. Uma canção nada feliz, que recorre ao calão ofensivo para reforçar a sua mensagem. O episódio é corroborado pela audição do "podcast" da emissão visada, que foi transmitida no passado dia 24 de Abril.
Recorrer a um nível de linguagem grosseiro e agressivo tem como efeito a degradação acentuada da qualidade do programa onde este é inserido. Além de não trazer nada de útil, desagrada à maioria dos ouvintes. Se este tipo de atitude é condenável numa rádio privada, muito mais o será numa rádio pública, daí que, relativamente à emissão da "Prova Oral" em causa, tenho de subscrever as palavras do Provedor que, como seria expectável, reprovou a conduta da profissional. Ora, tratando-se precisamente de uma profissional da rádio, a Raquel deveria ter mais cuidado com os conteúdos a emitir num programa de discussão e debate feito para jovens. Falar de sexualidade, com certeza, mas sem entrar na linguagem popular grosseira. Ainda que seja a citação de um anúncio brasileiro, a letra da canção ultrapassa os limites da decência impostos a uma estação de rádio.
Contar anedotas de humor negro
Se o humor negro por si só exige um cuidado especial, dado que é altamente susceptível de ferir sensibilidades sociais, religiosas, culturais e de outras naturezas, a utilização deste tipo de cómico num programa de rádio pode virar-se contra o humorista. Rui Sinel de Cordes, humorista, foi também convidado do programa realizado pelo Fernando Alvim. Mais uma vez, o final do programa foi, no mínimo, de muito mau gosto. Não cansado de piadas, o entrevistado achou por bem contar uma anedota de humor negro que associava o cancro da mama à "fruta com caroço". Saliente-se que o programa, por ter sido transmitido no Dia da Liberdade, foi gravado, pelo que, à hora em que foi emitido, o realizador sabia perfeitamente da existência de uma intervenção pouco adequada por parte do entrevistado.
Como seria de esperar, a reacção de muitos ouvintes foi a de mostrar mais uma vez a sua indignação perante a tentativa frustrada de ridicularizar uma doença que traz muito sofrimento a milhares de portuguesas. Fernando Alvim pediu desculpa pelo sucedido ao Provedor e aos ouvintes, mas alegou que, em nome da liberdade de expressão, não houve qualquer censura ao programa.
O caso do Rui Sinel de Cordes, que também é escutável no sítio da RTP, não foi o primeiro, nem sequer o mais grave da história da rádio em Portugal. Se recuarmos quase 19 anos, recordamos a tragédia no Hospital Distrital de Évora, quando 25 pacientes da Unidade de Hemodiálise faleceram na sequência do excesso de alumínio na água da rede pública da cidade. Pouco tempo depois, em meados de 1993, o então Ministro do Ambiente do governo liderado por Cavaco Silva, Carlos Borrego, achou por bem contar uma anedota aos microfones de uma rádio local. O que pretendia ser uma piada sobre a situação em Évora falhou completamente o objectivo, criando uma onda de indignação e repreensão que alastrou ao próprio governo. Uma pequena anedota revelada numa simples rádio local propagou-se rapidamente a todo o país, obrigando à demissão do ministro e ao fim da carreira política desta personalidade.
Esquecer-se que o microfone está ligado
Outro erro cometido por vezes: falar para a plateia de um evento ou para os restantes intervenientes num programa de rádio, esquecendo-se que o microfone está ligado. Voltando à vida política, basta recordar a polémica relativamente recente protagonizada por Pedro Nuno Santos (então um dos vice-presidentes do grupo parlamentar do Partido Socialista), que, falando para os militantes locais do partido, terá afirmado que «(...)se estava a “marimbar para o banco alemão que emprestou dinheiro a Portugal nas condições em que emprestou (...)”»... Infelizmente, acreditando estar a falar apenas para os companheiros de partido reunidos no jantar de confraternização, esqueceu-se que a Paivense FM estava em directo do jantar, transmitindo o discurso deste dirigente. Como noutros casos, a notícia rapidamente chegou às rádios e restantes meios de comunicação social nacionais.
Talvez seja boa prática seguir o exemplo dos militares: assumir que a arma está sempre carregada. Neste caso, assumir que o microfone está sempre ligado e pronto a transmitir para centenas, milhares, porventura milhões de ouvintes que acompanham o evento através da rádio. Se há que confidenciar, é boa ideia certificar-se que o botão do aparelho está na posição OFF.
**Este texto não foi escrito ao abrigo do "Acordo" Ortográfico**
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